O que é biomassa e quais os desafios da bioeconomia

Por Carlos Corrêa |


A crise ambiental do planeta parece já ocupar seu lugar entre os temas globais de destaque. Pelo menos entre os setores envolvidos na produção de combustíveis e na geração de energia. A necessidade de se reduzir, ao longo do tempo, o consumo de fontes fósseis e substitui-las por fontes renováveis já é aceita mesmo entre alguns de seus críticos mais tradicionais.

Nesse caminho de transição, o desenvolvimento de baterias para uso em veículos elétricos, assim como o uso do sol e do vento para a geração de energia têm sido foco das pesquisas e dos desenvolvimentos tecnológicos ao redor do globo. Correndo por fora, os entusiastas da bioeconomia, tentam colocar a biomassa agroflorestal nessa competição, como sendo uma fonte capaz de suprir vários dos desafios que se apresentam para substituir fontes fósseis. Tanto na geração de energia para abastecimento do campo e das cidades, quanto na produção de combustíveis veiculares. E o Brasil, com sua enorme biodiversidade tem tudo para levar a biomassa agroflorestal ao lugar que merece. Mas para isso alguns desafios precisam ser enfrentados.

Talvez o primeiro desafio a ser vencido seja o de levar ao conhecimento da sociedade o que é biomassa agroflorestal.

Em um país recordista na produção de carros flex – que podem consumir tanto etanol quanto gasolina, e que detém tecnologia para converter cana-de-açúcar em bioetanol, a maioria esmagadora dos condutores ainda prefere consumir gasolina. Um reflexo do trabalho de comunicação estruturado e eficiente da fortíssima indústria do petróleo: os postos de combustíveis ainda exibem placas dizendo que só vale a pena abastecer com etanol se seu preço for abaixo de 70% do preço da gasolina – reflexo de uma relação de desempenho entre os dois combustíveis que pode ter sido verdadeira nos anos 1970, mas que não corresponde mais a realidade; reportagens pipocam na mídia que a toda poderosa Alemanha já desenvolveu uma gasolina artificial que irá garantir o futuro dos carros movidos a gasolina; a agência que regula o mercado de combustíveis ainda se chama Agência Nacional do Petróleo e a principal empresa nacional, que se chama Petrobras, continua incentivando o crescimento do uso dos derivados de petróleo. E, além disso, a principal inovação divulgada, repetidamente pela mídia, é o carro elétrico movido a bateria, como se fosse uma salvação também para um país como o nosso, abundante em fontes renováveis e deficiente em estrutura de distribuição elétrica.

E a biomassa? Onde está? O que é? Ainda existe muita desinformação ou informações truncadas sobre o que é biomassa. É possível que poucas pessoas fora das comunidades ligadas à bioeconomia, saiba o que é.

Serão necessárias campanhas de informação sobre a importância dos biocombustíveis para o futuro do país, do planeta e de suas vidas, destacando as biomassas agroflorestais como sua principal fonte de matéria-prima. Será muito difícil conduzir uma transição onde a biomassa agroflorestal apareça como uma importante fonte alternativa ao petróleo e ao gás natural, sem apoio da sociedade. E, dificilmente a sociedade dará apoio a desenvolvimentos sobre os quais não sabe do que se trata.

Além dos desafios de comunicação, que não podem ser subestimados, existem ainda desafios técnicos e logísticos que precisam ser enfrentados. No Brasil, a cada renovação de safra ao longo de quase 60 milhões de hectares de terras dedicadas ao plantio, se gera biomassa lignocelulósica residual agrícola. A cada folha ou galho seco que cai, ao longo de mais de 550 milhões de hectares de florestas nativas, se gera biomassa lignocelulósica residual florestal. São fontes renováveis capazes de se retroalimentar continuamente, e que podem suprir uma grande parte da demanda global por combustíveis. Claramente, toda essa diversidade espalhada por mais de 850 milhões de hectares apresenta enormes desafios logísticos que precisam ser enfrentados. Mas também trazem oportunidades gigantescas que podem levar o país a exercer um papel de liderança global no crescimento da bioeconomia. Estudos nesse campo já vêm sendo desenvolvidos, mas precisam crescer e ganhar prioridade e notoriedade.

Quanto aos desafios técnicos, já houve avanços enormes: o Brasil é o segundo maior produtor de bioetanol, tendo a cana-de-açúcar como sua principal fonte de matéria-prima; a produção do combustível a partir do milho já cresce na região Centro-Oeste e, entre as seis plantas pioneiras de produção de etanol de celulósico (o etanol de segunda geração ou E2G) construídas no mundo, duas foram instaladas no Brasil, por empresas brasileiras. Plantas que apesar de alguns problemas operacionais, conseguiram viabilizar a conversão de biomassas lignocelulósicas residuais em bioetanol em escala industrial, comprovando sua viabilidade técnica.

Estudo recente, conduzido por pesquisadores do Grupo de Estudos em Bioeconomia da Escola de Química da UFRJ, conclui que os principais obstáculos que impediram as plantas pioneiras do E2G de operar dentro das condições de projeto, estavam ligados ao desempenho dos sistemas de alimentação de biomassa.

Em função de diversos fatores ligados às trajetórias tecnológicas das empresas que projetaram e operaram essas unidades, o manuseio e a alimentação das biomassas lignocelulósicas parecem não ter sido “vistos” pelas empresas como desafios técnicos ainda precisariam ser enfrentados. A falta desse olhar para os problemas de manuseio e alimentação de biomassa, parece ter causado um “ponto cego” sobre a necessidade de desenvolvimentos tecnológicos que levassem os sistemas de movimentação, e alimentação, aos mesmos níveis de maturidade tecnológica alcançados pelos processos de conversão da biomassa em bioetanol.

Esse desnível tecnológico acabou por impedir que as plantas conseguissem operar continuamente e, se não solucionados, podem prejudicar bastante o sucesso operacional de novas biorrefinarias. A pesquisa da UFRJ conclui também que não foram apenas as empresas a não ter olhos para essas questões, mas também os formuladores de políticas públicas e os investidores, assim como pesquisadores e desenvolvedores de tecnologia. A falta de olhos para questões tecnológicas ligadas ao manuseio de matérias-primas sólidas pode ser um paradigma construído a partir do uso predominante de matérias-primas fluidas (petróleo e seus derivados) nas indústrias de processos químicos e similares. Um paradigma que alcança a base de formação acadêmica dos engenheiros de processo e que precisa ser quebrado.

Com o uso da biomassa em grande escala, essa matéria-prima deve ser considerada como uma importante variável no direcionamento de projetos e desenvolvimentos tecnológicos e, não apenas um dado adicional. Provavelmente, muito conhecimento científico ainda precisa ser transformado em tecnologia para viabilizar esses desenvolvimentos.

Nesse caminho, as experiências vividas pelas empresas pioneiras que operaram as plantas de produção de etanol celulósico podem trazer importantes lições sobre como riscos tecnológicas não antecipados se transformaram em obstáculos. Com a atenção especial para os desafios tecnológicos de manuseio da biomassa, que ainda precisam ser vencidos, para o sucesso operacional de novas biorrefinarias e para o futuro da bioeconomia.

Carlos Corrêa é Doutor em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos e pesquisador no Grupo de Estudos em Bioeconomia da Escola de Química da UFRJ.