Circunstâncias sobre os Derivados do Petróleo no Brasil
Por José Rodrigues Barbosa |
A seguir, texto divulgado em 18/02/21 pela PETROBRAS:
NOTA À IMPRENSA
” A partir de amanhã, 19/02, os preços médios da Petrobras nas refinarias serão de R$ 2,48 por litro para a gasolina e R$ 2,58 por litro para o diesel, após aplicação de reajustes de R$ 0,23 e de R$0,34 por litro respectivamente.
O alinhamento dos preços ao mercado internacional é fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras: distribuidores, importadores e outros refinadores, além da Petrobras.
Este mesmo equilíbrio competitivo é responsável pelas reduções de preços quando a oferta cresce no mercado internacional, como ocorrido ao longo de 2020. Os preços praticados pela Petrobras, e suas variações para mais ou para menos associadas ao mercado internacional e à taxa de câmbio, têm influência limitada sobre os preços percebidos pelos consumidores finais.
O preço da gasolina e do diesel vendidos na bomba do posto revendedor é diferente do valor cobrado nas refinarias da Petrobras. Até chegar ao consumidor são acrescidos tributos federais e estaduais, custos para aquisição e mistura obrigatória de biocombustíveis, além das margens brutas das companhias distribuidoras e dos postos revendedores de combustíveis.
(Notas do autor do presente artigo:
- Naquela data, o preço da gasolina nos postos de Salvador/Ba estava em R$ 5,25, ou seja, o preço que saia da Refinaria era 47 % do preço na bomba
- O barril de petróleo estava custando US$ 64,71. Desde final de janeiro/21, quando o preço estava no patamar de US$ 55, ele vem subindo, já tendo atingido US$ 66,75 em 25/02/21. Não há cenário no curto prazo para recuo.
- O câmbio estava em US$ 1,0 = R$ 5,43)
Segundo pesquisa da Globalpetrolprices.com abrangendo 167 países, o preço médio da gasolina ao consumidor final no Brasil está 17% inferior à média global e ocupa a 56ª posição do ranking sendo, portanto, inferior aos preços observados em 111 países. Para o diesel, em uma amostragem de 166 países, o preço final no Brasil está 28% inferior à média global e ocupa a 43ª posição do ranking, ou seja, inferior a 123 países. Em ambos os casos, os preços médios no Brasil estão abaixo dos preços registrados no Chile, Argentina, Peru, Canadá, Alemanha, França e Itália. “
Aparentemente, estas explicações não surtiram o efeito desejado pela petroleira (até porque apenas uma pequena parcela da imprensa divulgou a “nota”), e no mesmo dia 19/02/21 o Presidente Bolsonaro anunciou a troca do Presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco, motivada pela prática de sua “política de preços” para os derivados (em desalinhamento com interesses do Presidente da República).
O consumo brasileiro de combustíveis é da ordem de 140 bilhões de litros / ano, sendo que 23 % deste volume é de “gasolina A” e 40 % de óleo diesel; destes, cerca de 7 % da gasolina e 17 % do óleo diesel são importados.
Em 2020, ano completamente atípico em todos os sentidos, o consumo de combustíveis no Brasil caiu 6%, ante 2019. Segundo dados da ANP as vendas totalizaram 131,7 bilhões de litros, o menor patamar anual desde 2012.
Apesar da retração, o diesel terminou 2020 relativamente estável, com alta de 0,3% no ano totalizando 57,4 bilhões de litros, impactado positivamente, em parte, pelas safras recordes de grãos. Já a comercialização de gasolina recuou 6,1%, para 35,8 bilhões de litros, enquanto o consumo do biocombustível caiu 14,6%, para 19,25 bilhões de litros.
Contudo, o início de 2021 já dá sinais de retorno do comportamento do mercado brasileiro ao perfil de consumo de antes da pandemia.
A produção versus demanda de combustíveis no Brasil (principalmente gasolina e óleo diesel) vem apresentando um déficit crescente nos últimos anos, ou seja, o consumo vem subindo e a produção se mantendo, havendo a necessidade de atendimento ao mercado através de operações de importação.
A capacidade de produção do parque de refino brasileiro é da ordem de 1,9 milhões de barris / dia (ou 300 mil m3), enquanto o consumo médio de derivados chega a 2,4 milhões de barris (ou 380 mil m3), requerendo uma importação da ordem de 500 mil barris / dia (ou 80 mil m3), em média !
O óleo diesel já vem sendo importado há muitos anos, tendo mais recentemente ocorrido um aumento nos seus volumes. Já a gasolina, somente a partir de 2011 começou a ser importada de maneira mais significativa.
Pode-se prever para os próximos anos continuidade no crescimento do consumo, da ordem de 3 a 4 % por ano; enquanto isso, não se espera crescimento da produção de derivados no curto / médio prazo, delineando-se um cenário de dependência do Brasil pelo derivado importado, cuja “mecânica” de disponibilização para o mercado consumidor requer atenção e cuidado para se evitar uma possível crise de desabastecimento.
Alguns aspectos desta “mecânica” merecem atenção, a começar pela política de preços dos derivados no Brasil e pela logística para a entrada e distribuição interna.
Parece óbvio que, se teremos que depender da importação de derivados para abastecer nosso mercado, os preços a serem praticados aqui tem que ter “paridade” com os preços internacionais, sob pena de inviabilizar economicamente a operação de importação.
Quando vemos, neste momento, o direcionamento do governo federal para esta política, concluímos que somente um “player” poderá atuar neste negócio: a empresa estatal, PETROBRAS ! (que pagará pela diferença, sob o manto da função social da petroleira).
Além disso, elimina-se, também, a possibilidade de interesse (de quem quer que seja) de investir em produção de derivados, já que deixa de haver atratividade de mercado para o investidor.
O monopólio estatal do petróleo foi instituído no Brasil em 1953 pela Lei Nº 2004, para exploração, produção, refino e transporte do petróleo no Brasil, e criou a Petrobras para exercê-los. EM 6 de agosto de 1997, a Lei nº 9.478, também conhecida como nova lei do petróleo, revogou a lei de 1953, e extinguiu o monopólio estatal do petróleo nas atividades relacionadas à exploração, produção, refino e transporte do petróleo no Brasil, passando a permitir que, além da Petrobrás, outras empresas atuassem em todos os elos da cadeia do petróleo.
Os movimentos que estamos assistindo agora não são novos, já tendo havido no passado circunstâncias semelhantes, com péssimos resultados para a companhia e para o Brasil (em particular, o ocorrido no recente governo de Dilma Rousseff). Hoje, 23 anos depois da promulgação da “lei do petróleo”, o monopólio, de fato, ainda persiste, apesar de termos assistido alguns avanços.
Dentre as ações das gestões mais recentes da Petrobras a empresa assinou em 2019 com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) um Termo de Compromisso de Cessação (TCC), no qual a petroleira se comprometeu a:
- Liberar acesso aos gasodutos do país e a toda a infraestrutura essencial ao setor de gás natural como os dutos de escoamento, unidades de processamento e os terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL), além de abrir mão da participação que possui em 19 das 27 distribuidoras estaduais.
- Vender oito refinarias de petróleo, incluindo os ativos relacionados ao transporte de combustível.
No caso do gás a medida é um dos passos para a implementação de um novo mercado para o GN; no caso do refino o objetivo é estimular a concorrência no mercado nacional, até então explorado quase integralmente pela Petrobras, por meio da entrada de novos agentes que atrairiam investimentos para o setor. Em ambos os casos, procura-se tornar real a “quebra do monopólio”.
Atualmente, a Petrobras detém 98% de participação no segmento de refino. Pelo acordo ficou estabelecida a venda das seguintes unidades: Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; Unidade de Industrialização de Xisto e Refinaria Presidente Getúlio Vargas, ambas no Paraná; Refinaria Landulpho Alves, na Bahia; Refinaria Gabriel Passos, em Minas Gerais; Refinaria Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul; Refinaria Isaac Sabbá, no Amazonas; e Refinaria Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste, no Ceará.
O desinvestimento das refinarias deve ser concluído até 31 de dezembro de 2021.
Por outro lado, se aceitarmos que a política de preços a ser praticada, como vem sendo defendida pela (ainda) direção da Companhia, deva estar alinhada com o mercado internacional, abre-se espaço para a participação da iniciativa privada nos processos de importação de derivados, com as empresas operacionalizando compra e venda dos produtos, regulando o preço e incentivando investimentos de produção e distribuição do energético, e, também, nos investimentos neste negócio, tanto na produção quanto na distribuição (de óleo, gás e derivados).
Um outro aspecto da “mecânica” de disponibilização dos derivados para o mercado consumidor, também muito importante a ser considerado, é a logística.
Segundo a ANP, a capacidade de armazenamento de derivados em terminais no Brasil é de 8,8 milhões de m3, enquanto a de petróleo é de 5,4 mm m3, sendo mais da metade deste parque de propriedade da Petrobras. Apesar disso, considerando o tamanho do nosso território, as peculiaridades de cada região, as características do sistema logístico, além de muitos outros aspectos, torna-se crítica a questão da operacionalidade dos Terminais de Granéis Líquidos para recebimento e distribuição dos derivados importados pelo Brasil (Tais Terminais são compostos por parques de tancagem para armazenamento temporário de produtos, unidades de movimentação dos fluídos, por bombeamento, e instalações de carregamento de veículos de transporte).
Se falarmos somente de petróleo nos deparamos com um cenário semelhante de demanda por infraestrutura portuária, mas por razões diferentes. Neste caso, o que ocorre é a previsão de aumento da produção brasileira em mar (principalmente do pré-sal) nos próximos anos. Ou seja, haverá, gradativamente, um aumento da movimentação de navios das unidades de produção para portos brasileiros.
É preciso ter espaço disponível nos parques de tancagem para recebimento das cargas importadas e capacidade de escoamento destes volumes de maneira eficiente, evitando-se a permanência desnecessária dos produtos nos equipamentos de armazenamento.
Pelas razões expostas, observa-se o anúncio de investimentos na construção de vários empreendimentos portuários no Brasil, incluindo Terminais para movimentação de granéis líquidos, imprescindíveis para garantir o recebimento e movimentação desse grande volume de produtos com segurança e eficiência.
A gestão da disponibilização dos derivados para o mercado brasileiro é tema sensível por envolver, principalmente, o abastecimento de combustível para os recursos de transportes no Brasil, tanto de cargas (frota de caminhões) quanto de pessoas (automóveis e veículos de transporte de massa).
A questão deve ser vista com muito cuidado, levando-se em conta os vários aspectos que a influenciam, passando pela gestão dos negócios de óleo e gás, mas, também, pelos interesses da outra ponta da cadeia, os usuários dos recursos de transportes. É imprescindível visão sistêmica e o estabelecimento de uma política coerente, clara e duradoura, que permita a todos desempenhar seus papéis sem surpresas nem traumas.