Quando vale a pena abastecer com Etanol? Sempre!

Por Carlos Correa, Eduardo Aragon e Manoel Carnaúba |


Vale a pena abastecer com Etanol mesmo se seu preço estiver acima de 70% do preço da gasolina? Sim!! E as razões para isso não podem se reduzir apenas aos preços dos dois combustíveis no momento do abastecimento.

O Etanol se apresentou como um combustível alternativo à gasolina na década de 1970, graças ao Proálcool (Programa Nacional do Álcool). Uma iniciativa do governo brasileiro de intensificar a produção de Etanol combustível para substituir a gasolina, quando preço do óleo saltou de US$ 50 para US$ 110 entre 1973 e 1979, como resultado do embargo conduzido pela OPEP. E, desde lá, vem sendo tratado pela sociedade brasileira apenas como uma alternativa à gasolina. O senso-comum vem dizendo que: “se o preço do Etanol estiver abaixo de 70% do preço da gasolina, vale a pena abastecer seu carro com Etanol. Acima disso é melhor, manter o uso da gasolina”. É uma afirmativa superficial que funciona como propaganda negativa e quase sugere para não se usar Etanol.

Ao longo dos últimos 50 anos, a falta de políticas públicas a esse respeito deixou que o Etanol fosse relegado a um papel secundário no imaginário da população. Foi um grande erro estratégico que continua a pagar um preço alto. O beco sem saída que nos encontramos agora sobre a política de preços da Petrobras, é uma das terríveis consequências desse erro (ou miopia) estratégico (a) que considera o Etanol apenas uma segunda opção. O Etanol é muito mais do que uma alternativa à gasolina: ele pode ser um dos grandes responsáveis pelo sucesso do futuro energético do país!

O potencial do Etanol como fonte de geração de energia é tão grande que, a cada incentivo, ele mostra seu valor. Foi assim em resposta ao Proálcool e foi assim na produção dos veículos Flex. Produção que se iniciou em maio de 2003, quando a Volkswagen, estimulada pela capacidade do Etanol, montou uma linha de produção para automóveis com os já conhecidos motores Flex. Dois meses depois a Chevrolet forneceu ao mercado seu modelo Flex, em consórcio com a Fiat. Nesse mesmo ano, a produção de automóveis Flex atingiu mais de 50.000 veículos entre automóveis e comerciais leves. Já em 2005, as montadoras produzindo veículos Flex incluía Chevrolet, Fiat, Ford, Peugeot, Renault, Honda, Mitsubishi, Volkswagen, Toyota e Citroën. O Brasil se tornou um dos maiores produtores tanto de Etanol quanto de veículos com motor Flex, atrás apenas dos Estados Unidos. E mesmo com toda essa resposta, o Etanol continuou a ser encarado apenas como um substituto. O papel principal sempre coube à gasolina.

A cada soluço do preço internacional do petróleo, entretanto, o mercado volta a falar do Etanol. Assim como está acontecendo agora. E olha que não se pode dizer que os soluços foram poucos. Desde 1973 os preços internacionais sofrem grandes oscilações em função de movimentos sobre os quais não temos qualquer controle (ver quadro abaixo) e, sempre ficamos totalmente vulneráveis a eles mesmo tendo, em casa: tecnologia, matéria-prima abundante (biomassa) e infraestrutura (mais de 40.000 postos de combustível no país).

Descrição: Gráfico

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Crude oil price history 1970-2014

Não queremos, aqui, entrar em debates políticos ou macroeconômicos que apontam vantagens ou desvantagens em se focar na produção do Etanol como principal combustível para movimentação de veículos leves no Brasil. Esse texto levanta uma questão estratégica: se, mesmo com todas as alegadas desvantagens, sempre voltamos ao Etanol quando o preço do petróleo salta a patamares considerados elevados, por que não construir políticas públicas consistentes em favor do Etanol? Políticas públicas que estimulem o aumento do consumo, da produção e da produtividade, tratando o Etanol como personagem principal e não atrelando, necessariamente, seu preço ao da gasolina, como foi no Proálcool; políticas públicas que mostrem aos consumidores que o valor do Etanol não deve ser medido apenas pelo preço vendido nos postos de combustível, mas também por seu potencial como combustível para o futuro do país.

Porque não considerar o Etanol como nosso principal combustível, mesmo que ainda não tenhamos capacidade de substituir a gasolina?

Isso significaria olhar estrategicamente para o futuro. Significaria, efetivamente, cuidar da transição energética da qual tanto se fala.

Depois de 2008, após mais uma crise internacional do petróleo, diversos países voltaram a estimular a produção de combustíveis alternativos. E, mais uma vez, o Etanol respondeu. Dessa vez com o Etanol de Segunda Geração, produzido a partir de resíduos das lavouras, aumentando ainda mais a produtividade dos campos de cana-de-açúcar e milho – principais matérias-primas para a produção de Etanol. Seis unidades de produção foram construídas no mundo, sendo que duas delas no Brasil: a fábrica da GranBio em Alagoas e a fábrica da Raízen no Estado de São Paulo. Por se tratar de tecnologia inovadora, o Etanol de Segunda Geração ainda não deslanchou tecnicamente, mas falta pouco para isso acontecer.

Outra iniciativa importante é a do desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a construção de carros elétricos a partir de células de combustível movidas a Etanol. Nesse sentido a Unicamp, em conjunto com a Volkswagen, estão olhando ainda mais adiante e trabalhando para viabilizar que carros elétricos circulem pelo país sem que seja necessário construir toda uma infraestrutura, custosa e demorada, de eletrificação das estradas do país. E a montadora alemã não é a única, a Nissan também trabalha em projetos com células de combustível à Etanol, além da Toyota que já produz automóveis híbridos Etanol-elétrico mais baratos que os veículos elétricos movidos apenas à bateria. Para os carros elétricos movidos a células de combustível, a infraestrutura está pronta: são os mesmos 40.000 postos de combustível que já distribuem Etanol pelo país. Tudo isso sem falar na quantidade enorme de emprego e renda gerados em torno do Etanol.

Não precisamos de nenhum oráculo para prever que, assim como no próximo verão cairão chuvas torrenciais no município de Petrópolis (RJ) que desalojarão centenas de pessoas, os preços do petróleo voltarão a cair. E que depois voltarão a subir. E que se não fizermos nada, continuaremos a ser reféns desses movimentos internacionais. Mesmo tendo ao nosso alcance a infraestrutura pronta, a maior biodiversidade do planeta e instituições competentes para cuidar do desenvolvimento tecnológico que pode transformar o Etanol no combustível que irá impulsionar o país. Será que falta visão estratégica? Ou a tal vontade política?

E, observe, que nem falamos de aquecimento global, de desmatamento da Amazônia, dos novos mercados de carbono ou mesmo de todo o movimento internacional para combate à emissão de CO2… Esqueça essa estória de 70% e abasteça com Etanol! Vale a pena!!