A Transição Energética e os Biocombustíveis

Por Manoel Carnaúba |


Quando o homem conseguiu controlar o fogo iniciou também a sua dependência de fontes de energia. Inicialmente foi a biomassa que o atendeu, com pequenas incursões na utilização de carvão, tufa e óleos minerais.

É no século XIX que acontece o apogeu do carvão, que vai durar até os anos 60/70 do século seguinte. No final do século XIX se inicia a utilização da energia elétrica e a sua universalização ocorre ao longo do século XX. No século atual, nossa dependência por essa forma de energia é total!
Ainda no final do século XIX, inicia-se a exploração e utilização do petróleo, que ganha impulso ao longo das grandes guerras e passa a desbancar o carvão como fonte mais importante de energia. Também ao longo do século XX, outras fontes de energias são descobertas e passam a ganhar importância, com destaques para a energia nuclear, a fotovoltaica, a eólica e os biocombustíveis, dentre outras.
É também no início do século XX que os motores à explosão ganham impulso e contribuem para a consolidação dos combustíveis líquidos.
O século XX passa a ser o século do automóvel. As demandas por diesel e gasolina crescem exponencialmente em todos as regiões do planeta: as cidades passam a ser construídas para os automóveis!

A partir dos anos 70 do século passado, cidades em várias partes do mundo, passam a ter uma queda importante em sua qualidade de vida em função da qualidade do ar que seus moradores respiram, consequência dos gases emitidos pela queima dos combustíveis fósseis. É também nessa época que acontece o primeiro choque do petróleo, com uma importante multiplicação de seus preços.
É nesse momento que a humanidade começa a despertar para fontes de energias mais limpas e competitivas: um século após o petróleo ter superado o carvão como principal fonte de geração de energia, o mundo parece caminhar para uma nova mudança em sua base energética.

No Brasil, tivemos o lançamento do Proálcool, programa do governo federal que visava o crescimento da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, combinado com o incentivo a produção de veículos com motores adaptados a esse biocombustível. O programa promoveu o crescimento da agroindústria canavieira no Brasil, em especial nas regiões Sudeste e Centro-oeste. Seu sucesso, entretanto, foi relativo, pois logo os preços do petróleo voltavam a patamares mais baixos, tornando quase impossível que o etanol pudesse competir com seus derivados.

No final do século XX os cientistas chegam à conclusão que a queima de combustíveis fósseis e a consequente emissão de gás carbônico (CO2) e de outros gases causadores de efeito estufa, estão levando a um aquecimento do planeta, causando importantes mudanças climáticas em todos os seus continentes. Medidas precisavam ser implantadas urgentemente para estancar esse fenômeno!
Em nosso país, de forma voluntária, uma revolução ambiental vinha acontecendo desde os anos 70: não só com a experiência do Proálcool, mas também com a adição de etanol à gasolina, substituindo boosters como o chumbo tetra-etila. Fomos evoluindo nessa mistura e hoje a gasolina brasileira já contém 27% de etanol!

Um grande avanço foi o advento dos motores bicombustível. Estou falando do motor “flex” a gasolina/etanol: um motor que já equipa cerca de 70% da frota de veículos leves do País e que pode utilizar gasolina e/ou etanol em qualquer proporção.
Outro importante avanço veio com a introdução do biodiesel em mistura com o diesel oriundo do petróleo, proporcionando uma redução nos gases poluentes emitidos por motores diesel. Somos expoentes no ranking da produção mundial de soja e proteína animal, matérias-primas para o biodiesel.

Ao longo da última década, a produção agrícola brasileira tomou um impulso espetacular, com a consolidação de novas fronteiras, a utilização de novas variedades mais resistentes e mais produtivas e com máquinas e equipamentos de altíssima tecnologia, tornando o Brasil campeão de produtividade no campo.
Mais recentemente o país passou a produzir também etanol a partir do milho, que se mostrou extremamente competitivo e que não para de crescer! Com o anúncio de novos investimentos nessa área, estima-se que a produção nacional de etanol a partir do milho evolua dos atuais 2,5 bilhões de litros, para mais de 3,3 bilhões de litros na próxima safra, ultrapassando os 8,0 bilhões de litros na safra 2027/2028. Um crescimento espetacular do setor, que conta atualmente com 17 unidades em produção.
Já a produção de etanol a partir de cana-de-açúcar, deverá atingir na safra 2021/2022, que se inicia, 28 bilhões de litros, mostrando redução em relação a safra passada, motivado pela menor demanda em função da pandemia de Covid-19 e dos melhores preços do açúcar. No entanto, essa redução não traz qualquer risco de desabastecimento.

Debate-se hoje, em todos os cantos do nosso planeta, qual será a nova geração de automóveis que substituirão os atuais. A Europa parece já ter feito sua escolha por veículos elétricos, os EUA também. Em outras regiões as tecnologias que usam célula de combustão e hidrogênio parecem ser os mais promissores. E o que acontecerá no nosso país?

Acredito que a nossa transição energética no campo dos combustíveis líquidos, já está desenhada. Para os veículos leves, deveremos utilizar o etanol para gerar hidrogênio da célula de combustível, com baterias menores e tornando-os extremamente econômicos (35-38 km/l de etanol). Para os veículos com motores a diesel, minha aposta está na substituição desse combustível por metanol, que será produzido a partir da eletrólise da água, utilizando energia renovável (eólica e fotovoltaica) e CO2 da fermentação dos açúcares da produção de etanol. As refinarias do futuro estarão assim desenhadas e o Brasil poderá estar muito bem posicionado nessa transição.

A biomassa é nossa fonte natural de geração de energia e seu desenvolvimento tecnológico pode ser nosso diferencial para o futuro: tanto na diminuição da dependência de combustíveis fósseis quanto na liderança de seu desenvolvimento tecnológico. A partir da biomassa, o Brasil pode construir sua própria história de desenvolvimento tecnológico e assumir a liderança que lhe cabe em um mundo mais sustentável.